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Vindimas em tempos de Zoom

Jornal da Beira, Viseu 07 de Outubro de 2021


O campo e a mesa constituem uma simbiose magistral, e eu também acredito que tenha algo de sobrenatural.

Na sua existência, o homem encontra Deus na Sua sublime criação: a natureza.

A natureza fala-nos de Deus. É isto que vemos claramente em muitos tratados espirituais, como também em algumas ordens religiosas, que, ao longo da história da Igreja, encontraram o silêncio necessário para a oração no refúgio da natureza – afinal, foi na brisa do Monte Carmelo que o profeta Elias encontrou o próprio Deus.

A analogia que aqui estabeleço, entre o sagrado e as vindimas, não é o mistério da transubstanciação (não me considero digna para este tema), mas a simples e necessária contemplação da natureza e da dignidade do trabalho do campo.

Uma sociedade de ecrãs, em que o encontro foi substituído pelo virtual, terá uma tendência para se afastar do Criador. Contudo, como nós não fomos criados para a vida de ecrãs, mas para algo muito maior, assim, é normal que seja no campo e nas suas tradições que muitas vezes encontramos o descanso e a tranquilidade.

Por tudo isso, eu vejo uma beleza sobrenatural nas vindimas, para além de nelas assistirmos ao homem a trabalhar na natureza, numa atividade milenar. Há também uma camaradagem nas vindimas, laços que se criam.

Entre os calos da tesoura, vamos conhecendo os calos da vida destes homens e mulheres do interior de um Portugal rural. Um Portugal esquecido por tantos burocratas do Governo, homens e mulheres afastados dos filhos, que tiveram de emigrar porque os políticos não representam o interesse das famílias, homens e mulheres que convivem com um sofrimento invisível…

O vinho é sinónimo de alegria. O primeiro milagre público de Jesus foi transformar a água em vinho, para que não faltasse felicidade ao casamento em Caná. Lembremo-nos, por isso, de quão bom é desligar o ecrã e estar com os amigos a beber um bom vinho – mais do que bom, ouso dizer é algo muito sobrenatural. De facto, um bom vinho não só tem o trabalho científico do enólogo, mas também os calos do trabalho de muitos homens e de muitas mulheres do Dão, do Douro e do Alentejo, e isso é também divino.

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