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Um bife Angus


No filme O Padrinho (obrigatório ver), quando Don Corleone diz «Eu vou fazer-lhe uma proposta irrecusável», eu imagino sempre que o Padrinho oferece um bife de carne Angus açoriana ao seu inimigo.

Se há lugar onde a carne é boa, é nas nossas ilhas (mais um motivo de orgulho). Comer um bom bife, no churrasco, na chapa ou na sertã, é uma experiência descomplicada-exuberante. Eu, normalmente, faço o paralelismo entre a simplicidade do campo, da gastronomia e um bife de carne Angus, pois é acessível e é bom, sem presunções: basta o corte certo, estar no ponto e sal – não precisa de mais nada, juntar molhos é um crime e, para acompanhamento, somente um copo de vinho (aconselho um vinho com mais frescura e acidez, para aguentar a gordura e prolongar o sabor).

As vacas (felizes) são um património dos Açores: não só fazem parte da nossa paisagem como são fundamentais na nossa economia e na nossa cultura gastronómica, e devem ser tratadas com respeito. Lembro-me tão bem de que, na última vez que fui à Feira Agrícola da ilha Terceira (Outubro de 2017), encontrei uma menina delicada (hoje já deve ser uma adolescente), com um laço branco a prender o cabelo; estava abraçada a dar beijinhos – sim, beijinhos – a um vitelo; perguntei-lhe se a vaca era dela, respondeu que sim e que se chamava Branquinha – que privilégio este de se chamarem as vacas pelos nomes!

Sempre ouvi histórias do meu bisavô Ayres, veterinário de profissão, e das suas famosas discussões sobre o partido da raça das vacas (acredito que discutir sobre as raças de vacas seja muito mais interessante que a actual política). O bisavô era um aficionado das vacas de carne, e hoje ficaria contente ao ver muitas das novas ganadarias com essas raças. Por isso, este artigo é-lhe dedicado. Não tive a oportunidade de o conhecer, mas tenho a certeza de que teríamos muitas boas «discussões».

É tão bonito dar um passeio nos nossos cerrados e ver as cores preta e branca da Holstein-Frísia, em contraste com o verde do campo e o azul do mar! A todos os agricultores que se dedicam às vacas leiteiras também manifesto aqui a minha admiração, e peço desculpa por dar prioridade à Aberdeen-Angus.

As vacas Angus são pretas e de porte robusto, fáceis de identificar. Se há coisa de que tenho saudades é de ir procurá-las, no meio da chuva, no meio do mato cheio de nevoeiro, com a Xana Parreira (nunca irei esquecer esse nosso passeio), ou na Ganadaria Rego Botelho, em que cada vaca Angus é como uma obra-prima esculpida (eu disse que gostava de vacas).

Antes de mais, é preciso compreender, conhecer o que comemos: este é o primeiro princípio de uma alimentação responsável e sustentável. Ao inteirar-me de que a Angus é uma carne de origem escocesa, vou perceber a sua genética, que diferencia a qualidade e o sabor da carne.

A carne Angus tem uma característica fascinante: é o ser marmoreada. A sua textura parece uma pedra de mármore, porque a gordura está entrelaçada na carne; assim, torna-se mais tenra e macia. Quando se mete na chapa (e faz aquele barulhinho), nem precisamos de adicionar gordura – e isso, meus caros, é um tesouro. Depois do mármore italiano renascentista, o meu mármore preferido é o da Angus. Por esse motivo, sempre que vou comprar carne (esteja em que cidade estiver), dou prioridade à marca Açores e à carne Angus; para mim, isso não é somente um exercício de regionalismo, é realmente uma questão de bom gosto. Não se esqueçam de que, quanto mais marmoreada é a carne, mais saborosa, porque essa característica significa maior qualidade, que o animal foi bem nutrido (atenção: não confundir o marmoreado da gordura com os nervos do bife), para além da própria componente genética da raça, que já se referiu, e é umas das provas de que a vaca foi bem tratada (não sei se levou beijinhos).

Na carne Angus, esse marmoreado está sempre presente; ou seja, é uma carne que, por princípio, tem garantia de qualidade. Assim sendo, quando acabarem de ler este artigo, façam-me um favor: vão, por mim, até aos Altares, ao restaurante Caneta, e peçam um bife Angus. Obrigada e sejam felizes!

P.S. – Este artigo não é próprio para vegetarianos. Crónica publicada Diário Insular, 6 de Julho 2021

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