top of page

Par·ti·lha

Atualizado: 23 de jun. de 2021





Par·ti·lha (do latim particula, particulæ: pequena parte, parcela; diminutivo de pars, partis: parte)
Par·ti·lhar (partilha + suf. -ar: 1. fazer partilha ou divisão em partes; 2. ter ou experienciar os mesmos sentimentos, ideias ou pontos de vista)



Andávamos nós a passear pelo Porto (por Gaia e pela Ribeira), e falávamos sobre vinhos e sobre a história de Portugal, quando deparamos com um restaurante que possuía uma belíssima carta de vinhos. Decidimos não jantar lá, porque o que apetecia mesmo era ir com amigos: achámos que íamos aproveitar mais aquele restaurante se fosse uma experiência (com)partilhada. Foi isso que me motivou a escrever este artigo, que é sobre: a partilha: a partilha daquilo de que gostamos, ou seja, de vinhos.

A partilha é uma forma de estar bastante cristã. O seu valor é não só fundamental para coexistirmos, mas essencial para sermos felizes.

Quando penso no vinho e na comida, penso-os muitas vezes em conjunto com a virtude da partilha. De facto, é muito habitual acontecer estarmos a comer uma coisa saborosa e lembrarmos alguém que também poderia gostar de estar ali a ter a mesma experiência.

Há experiências na vida que, partilhadas, são vividas com mais intensidade e com mais prazer. Não quero com isto dizer que não seja possível apreciar e degustar um jantar num restaurante com estrelas Michelin ou um extraordinário vinho enquanto se está só (um brinde aos lobos solitários), mas fazê-lo acompanhado pode abrir muito as perspectivas do conhecimento, ajudar-nos a perceber outros pontos de vista quanto à harmonização dos sabores e aromas e ao paladar, que difere de pessoa para pessoa, para além de que é sempre uma enorme alegria poder dividir bons momentos. Se repararmos, a própria essência do Amor está no dar-se: é verdade que o ser humano é mais feliz quando se dá – e eu acredito que, no vinho, também seja essa a filosofia.

Desta forma, é muito normal que o gosto que temos por alguns vinhos esteja associado às nossas vivências. Podemos não ser experts na matéria, não ter (ainda) a capacidade de distinguir aromas, mas podemos com toda a legitimidade dizer se gostamos ou não de certos vinhos. Julgo que, muitas vezes, o gosto e a capacidade de apreciar estão estreitamente ligados a uma circunstância.

Muitos vinhos que entraram para a minha lista de favoritos estão relacionados com momentos muito bem passados. Foi há uns bons anos, mas tenho muito presente a primeira vez que bebi um tinto Papa Figos (Casa da Ferreirinha), com a minha querida amiga Brites Baldaya, no restaurante QB, a acompanhar um magret de pato. Como esquecer a véspera da véspera do meu primeiro Natal casada, em que a Graça Silveira abriu um tinto Meandro (Quinta do Vale Meão)? E aquele passeio por Coimbra, em que descobri não só a terra de Santa Isabel como o tinto Minas (Quinta dos Murças)? Ou aquele piquenique em Fátima, em que bebemos o Trinca Bolotas (Herdade do Peso)? E o espumante que bebemos no nosso casamento, ou o Terra de Lavas (Pico Wines), que nos acompanhou na nossa lua-de-mel, de onde trouxemos um Czar (Fortunato Garcia)?

Assim também se faz o gosto pelo vinho, de experiências e de partilhas: quando estamos a jantar fora, quando estamos felizes, quando estamos em boa companhia... São esses os momentos ideais para bebermos um bom vinho.

Um vinho é como um amigo: o momento ideal para um amigo é o momento presente. Não tem de ser uma ocasião extraordinária. Lembro-me de alguém que me contava que abriu um Barca Velha (ainda produzido pelo Fernando Nicolau de Almeida) com o pai e convidou o vizinho. Isso fez-me pensar em que a altura mais oportuna para beber um vinho de luxo é o momento que ele é bebido. Por isso, quando estiver bem acompanhado, peça um bom vinho e faça história na sua vida.


Crónica publicada Diário Insular, 26 de Maio 2021

11 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page