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Rosé o filho ilegítimo?

Diário Insular, 5 de Maio 2021



Quem me conhece sabe que não sou de poesias nem de rosés (não sei se haverá alguma ligação entre os dois…). Sempre fui apologista do romance histórico e do tinto, hábito de casa (pelos dois avôs).

Sempre achei que rosé era "uma coisa para meninas" (é que o próprio vinho é cor-de-rosa) e só me lembro da minha mãe que não gosta de vinho e gosta de rosé.

Para mim, não passa de um preconceito e, como todo o preconceito, precisa de ser deposto.

É muito frequente esta mentalidade elitista que defende que sair do círculo do vinho tinto é dos imaturos. Contudo, esse pensamento circunscrevo-nos a uma parcela do mundo dos vinhos, deixando de parte uma imensa possibilidade de brancos, rosés e verdes que fazem tão boa companhia.

Em jeito de redenção, os primeiros artigos sobre vinhos, na minha rubrica para o DI serão sobre estes “ilegítimos”. Hoje começo pelo rosé.

A minha conversão ao rosé iniciou-se no ano de 2018. Era o primeiro jantar com o Francisco, em Lisboa. Agora é marido e companheiro de tão boas jantaradas - ou não seria o tal.

Num fim-de-semana, com a capital a abarrotar e sem possibilidade de escolha, fomos à Pizzaria Luzzo. Decidimos arriscar, ou não seriamos nós, pela pizza com avelã torrada e pancetta (barriga de porco fumada). Eis senão quando o Francisco escolheu um rosé para acompanhar. Achei estranho, mas era o primeiro jantar e eu não queria ser inconveniente. Semanas depois, com o namoro mais a sério e estável, falei do assunto, como se fosse um problema por resolver e, naquele dia, o Francisco deu-me uma explicação que agradeço muitíssimo. É também por isso que o meu primeiro texto dedicado aos vinhos é sobre o rosé. De facto, nesse dia, tive uma lição de harmonização.

A pizza italiana, ou seja, de massa fina e crocante com aquela borda queimada no forno a lenha, molho de tomate com o recheio faz uma forte conjugação entre o sal e a gordura do queijo e da carne. Reclama, assim, o equilíbrio e a frescura de um rosé.

A harmonia presente em alguns rosés, faz deles um vinho não dominador, uma boa escolha que não irá sobrepor nem anular o prato em si e, pode até fazer brilhar uma pizza de avelãs (seria uma tarefa mais difícil com um tinto, mas, atenção!, também é possível e bem possível).

Não basta saber gostar de um bom vinho, é preciso saber conjugá-lo com o prato.


Mala da minha última viagem Itália (especiarias risoto, pasta, azeite, tomate seco, trufas e a bênção do Papa Francisco)


Hoje, sempre que vou a um italiano, penso no dia em que me converti ao rosé. Foi graças a isso que, na minha última viagem até Itália (antes-covid), entre Florença, Roma e Trastevere aproveitei para me aventurar não só nos rosés como nos prosecco (vinho espumante italiano). Já em Portugal, abrimos um azeite al tartufo nero, experimentámos o tomate seco e as especiarias do Mercato di Campo dei Fiori, comemos burrata com tomate alongado, parmigiano, muito parmigiano, e o molho de napolitano da Barilla com um Tortiglioni al diente. Para a tarefa exigente de acompanhar uma comida pronunciada, escolhemos o rosé Douro Poente da Quinta da Roga, um vinho fresco, fruto de uma nova vinha em moldes tradicionais, da zona de Mesão Frio, uma das mais clássicas zonas do Douro vinhateiro.

Poente rosé tem uma acidez equilibrada a que sempre nos habitua os vinhos da enóloga Mafalda Magalhães, tornando-se muito versátil. Foi um casamento perfeito.

Não tenham medo de pedir um rosé, está na altura de quebrar o preconceito. São vinhos de corpo mais leves e mais frutados, é certo, mas também encontramos em alguns destes rosés características do tinto. São versáteis para uma entrada, comida italiana e, claro, para acompanhar um bom sushi. Alguns sommeliers consideram o rosé como um “vinho democrata” dada a sua versatilidade na harmonização. Posso garantir-vos que com um bom vinho rosé a garrafa vai ficando vazia sem se dar por isso.

PS: Não vou falar da minha conversão à poesia, é mais complexo do que o rosé, mas deixo aqui um poema, também muito italiano, que me acompanhou durante a minha quarentena e que, de certa forma, retrata a actual sociedade pandémica: “O Coro dos Escravos” da ópera “Nabuco” de Verdi.


Va', pensiero, sull'ali dorate.

(Vai, pensamento, sobre asas douradas)

Va', ti posa sui clivi, sui coll,

(Vai, pousa sobre as encostas e as colinas)

Ove olezzano tepide e molli

(Onde perfumam tépidos e suaves)

L'aure dolci del suolo natal!

(Os ares doces do solo natal!)

Del giordano le rive saluta,

(Saúda as margens do Jordão)

Di sionne le torri atterrate.

(E as torres derrubadas de Sião.)

O mia patria, sì bella e perduta!

(Ó, minha pátria tão bela e perdida!)

O membranza sì cara e fatal!

(Ó, lembrança tão cara e fatal!)

Arpa d'or dei fatidici vati,

(Harpa dourada dos profetas fatídicos,)

Perché muta dal salice pendi?

(Por que estás muda pendurada no salgueiro?)

Le memorie del petto riaccendi,

(Reacende as memórias no peito,)

Ci favella del tempo che fu!

(Que nos falem do tempo que passou!)

O simile di solima ai fati,

(Semelhante ao destino de Jerusalém)

Traggi un suono di crudo lamento;

(Traz-nos um som de cru lamento,)

O t'ispiri il Signore un concento

(Ou que o Senhor te inspire uma melodia)

Che ne infonda al patire virtù

(Que preencha o sofrer com virtude!)

Che ne infonda al patire virtù

(Que preencha o sofrer com virtude!)

Al patire virtù!

(O sofrer com virtude!)



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